Deutsche Welle

Especial:

Bertolt Brecht 1956–2006

Em 14 de agosto de 1956 o séc. 20 perdia um de seus dramaturgos mais revolucionários: Eugen Bertholt Friedrich Brecht, ou apenas Bertolt Brecht, como se assinava o artista.
Através dele, o teatro (re)encontrou técnicas inovadoras como a do distanciamento, transformando-se de deleite burguês em instrumento de acusação, protesto político, ou mesmo de doutrinação.

Porém sem jamais perder totalmente a poesia, o humor e o prazer. Afinal Brecht era, acima de tudo, um homem de teatro. Passeie por este nosso dossiê, encontre as diversas facetas de um autor e diretor polêmico, paradoxal e mais vivo do que nunca.

Meio século após a morte de Brecht, sua obra é pouco cultuada na Alemanha. Em muitos países do mundo, ao contrário, o dramaturgo é celebrado com todas as honras.

Túmulo de Brecht
em Berlim:
Morto no país e
Vivo no exterior


Mesmo assim, 50 anos depois de sua morte, Brecht se tornou um desconhecido em seu país de origem. Uma pesquisa recente, encomendada pela revista Bücher, interrogou mais de mil homens e mulheres a respeito do dramaturgo. Os resultados: nada menos que 42% dos entrevistados nunca tinham lido ou visto nada de Brecht.

E a maioria esmagadora (89%) nem ao menos vislumbrava que o dramaturgo havia fundado um teatro ainda hoje conhecido, quanto menos sabiam dizer que teatro era esse. "Brecht é simplesmente passé", foi a conclusão lapidar de Konrad Lischka, editor-chefe da Bücher.

E por que o grande mestre Brecht não desperta mais interesse nos discípulos, que não querem nem saber dele? Por causa de seu entusiasmo incondicional pelo comunismo, ele já era, em vida, idolatrado ou desprezado na Alemanha, de acordo com o ponto de vista ideológico de quem emitia o parecer.

Durante a Guerra Fria, Brecht chegou até mesmo a ser boicotado como "comunista e ateísta" pelos círculos literários da então Alemanha Ocidental.
Brecht tinha, lembre-se, uma relação indiferente com sua terra natal, Augsburg: o melhor de lá, consta que declarou certa vez o dramaturgo, era o trem que saía em direção a Munique.
Kurt-Georg Kiesinger chegou a chamar Brecht de "o grande, mas pior filho da cidade".

No lado comunista, ele tampouco era abraçado com entusiasmo pelos camaradas: "Em Moscou, não havia nem compreensão nem interesse pelo seu teatro épico. Ele também jamais teria, com suas posições radicais, sobrevivido a um exílio soviético", conta o biógrafo Reinhold Jaretyky.

Pois Brecht manteve paralelamente à sua lealdade ao "projeto comunismo", uma distância cética em relação ao poder do regime comunista – mesmo que esse aspecto seja hoje praticamente esquecido.

Entretanto não seria correto creditar a parca popularidade de Brecht somente às suas querelas políticas dúbias. Um outro aspecto elucidado pela pesquisa realizada recentemente mostra que a razão da rejeição a Brecht pode ser outra: 55% dos entrevistados leram uma peça de Brecht pela última vez ainda na escola.

Uma leitura obrigatória, que deixava os então escolares simplesmente enfastiados. Pois a maioria deles nunca mais quis ler nada do dramaturgo nos anos seguintes. E Brecht acabou se tornando uma fonte de dores de cabeça para os alunos.
As razões? Leituras forçadas prematuramente, uma introdução incorreta em sua obra, que simplesmente azeda o prazer de ler seus textos para o resto da vida?

"Não se deve tirar conclusões tão drásticas de uma pesquisa como essa", diz o professor Jan Knopf, diretor do Centro de Estudos Bertolt Brecht da Universidade de Karlsruhe. Brecht, é, segundo ele, conhecido de outras formas que Goethe ou Thomas Mann.

E suas palavras se tornaram tão óbvias, que muitas vezes citamos Brecht mesmo sem saber. E encontramos fragmentos de obras, mesmo sem perceber. "Primeiro a barriga, depois a moral" ou "quem luta, pode perder, mas quem não luta, já perdeu" são algumas das citações de Brecht já tornados "anônimas" e que se transformaram quase em domínio público.

Em 1927, o autor dramático, poeta lírico e narrador alemão Bertolt Brecht propôs a Kurt Weill escrever a música para o libreto de Die Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vinténs). Brecht baseou-se numa tradução da Bagger's Opera (Ópera do Mendigo), feita pela alemã Elisabeth Hauptmann, na qual John Gray, em 1728, havia feito um retrato satírico da classe dominante inglesa.

Inspirado nos gêneros opereta e comédia musical, Brecht e o até então desconhecido Weil contaram a história de Mac Navalha e de seu amor por Polly, a filha de J. J. Peachum, seu inimigo. Este, mais conhecido por Rei dos Mendigos, vestia sua gangue como deficientes ou mendigos e os mandava pedir esmolas. Mac, por seu lado, defendia uma linha mais dura, explorando assaltos e prostituição.

Nem libreto, nem música estavam prontos na véspera da estréia, de forma que todos apostavam no seu fracasso. O nome da obra foi decidido poucos minutos antes de abrir a cortina para a estréia da peça. O texto definitivo só ficou pronto em 1931.
Apesar disso, o sucesso foi estrondoso, tanto na Alemanha como no exterior, até 1933, quando os nazistas tiraram a peça de cartaz.

Músicas como a Balada da Boa Vida, que Mac canta na prisão, ou a Canção da Dependência Sexual, da senhorita Peachum, em pouco tempo adquiriram caráter popular. Além disso, Brecht conseguiu mexer com o público, levando-o a refletir.
No final do segundo ato, por exemplo, o elenco discute a condição humana ("num mundo como este, o homem, para sobreviver, tem de suprimir a sua humanidade e explorar o seu semelhante").

Brecht criticava as disparidades sociais da sua época: "Quero fazer um teatro com funções sociais bem definidas. O palco deve refletir a vida real. O público deve ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir como administrar melhor sua vida", dizia o autor dramático, poeta lírico e narrador alemão.

Bertolt Brecht fugiu da Alemanha nazista em 28 de fevereiro de 1933, um dia após o incêndio do Reichstag. O escritor sabia que logo começaria a caça à esquerda e aos opositores do regime de Hitler.

No dia em que o escritor Bertolt Brecht deixou a Alemanha, 28 de fevereiro de 1933, a notícia nem sequer saiu no jornal. Ele não anunciara que iria deixar o país, e o tema das manchetes do dia era outro: o incêndio do Reichstag, na véspera.

A polícia responsabilizou a esquerda e logo apresentou o suposto autor do incêndio. Os nazistas aproveitaram para prender um grande número de sindicalistas, socialistas e comunistas, que foram enviados aos primeiros campos de concentração, improvisados para esse fim.

Como nenhum outro intelectual, Brecht previra a catástrofe iminente, o que aconteceria se os nazistas assumissem o poder na Alemanha. Sua Lied vom SA-Mann (Canção do homem da SA) deixa transparecer toda a sua clarividência.

Nela, ele descreve como a depressão no final da década de 1920, as batalhas de rua e as eternas crises de governo culminariam nas barbáries do Terceiro Reich. "Dormi de fome, com o estômago roncando. Pegando no sono ouvi gritarem: 'Acorda Alemanha'. E vi muitos marcharem gritando 'Vamos ao Terceiro Reich!' Eu não tinha nada a perder e fui com eles, sem me importar para onde."

Em 1933, aconteceu o que se temia e Adolf Hitler tornou-se chanceler do Reich. No mais tardar, após a tenebrosa marcha com tochas pelo Portão de Brandemburgo, em Berlim, em honra ao novo detentor do poder, ficou claro que a sombria intuição de Brecht logo se transformaria em realidade.

Não demorou muito e começou o êxodo dos intelectuais alemães. Nem todos, porém, quiseram ou puderam fugir a tempo, como o detentor do Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, que foi levado a um campo de concentração e morreu em conseqüência das torturas.

Outros, como o escritor Erich Kästner, se retiraram da vida pública e assim sobreviveram ao "reino de mil anos" que Hitler pretendia instituir. A história, contudo, se lembra mais dos que conseguiram escapar: Albert Einstein, os escritores Lion Feuchtwanger, Thomas Mann, Erich Maria Remarque, os músicos Kleiber, Busch, Klemperer e muitos outros.

Brecht foi um dos primeiros a deixar o país, por saber o que o aguardava quando o partido de Hitler começasse a colocar em prática suas ameaças. Num poema em prosa, ele expôs as razões de sua perseguição:

"Quando me forçaram ao exílio, os jornais publicaram que foi por uma poesia minha, ridicularizando o soldado da Primeira Guerra Mundial. Agora, quando eles preparam uma nova guerra mundial, decididos a superar as monstruosidades da última, é quando se persegue ou se mata gente como eu, por delatar os seus atentados".

A poesia a que Brecht se refere, que teria inspirado o ódio dos nazistas, é Legende vom toten Soldaten (Lenda do soldado morto), um poema pacifista que se refere à Primeira Guerra Mundial.
Como faltassem soldados ao exército do Império Alemão, decidiu-se desenterrar um soldado que morrera, vesti-lo com um novo uniforme e arranjá-lo para que passasse pelo exame médico e fosse mandado de volta ao front. Sob os aplausos do clero e dos representantes do grande capital, o defunto foi enviado ao campo de batalha para morrer como herói.

Os nazistas não odiavam apenas o poeta Bertolt Brecht, odiavam também o seu pacifismo e o fato de ele ser comunista. Na sua Balada da árvore e dos galhos, de 1931, Brecht antecipou o comportamento assassino das hordas nazistas, no dia em que pudessem agir livremente.

Com sua visão, Brecht decidiu fugir assim que soube do incêndio do prédio do Reichstag. Um dia depois, na manhã de 28 de fevereiro de 1933, deixava Berlim em direção a Praga. Da capital da então Tchecoslováquia foi a Viena, de lá até a Suíça e a seguir para a Dinamarca, onde se radicou por alguns anos.

O exílio o levaria ainda à Finlândia e aos Estados Unidos. O autor de A Ópera dos três vinténs e outras obras inesquecíveis conseguiu escapar de Berlim antes de começar a primeira onda de prisões do novo regime, que afundaria a Alemanha e o mundo numa guerra sem precedentes.

Durante seus seis anos de exílio na Califórnia, o stalinista fumante de charutos, com suas calças largas e fora de moda, que falava inglês com um sotaque alemão fortíssimo, passou a maior parte do seu tempo tentando desesperadamente se tornar um roteirista de Hollywood. Entre 1941 e 1947, ele trabalhou em mais de 50 roteiros ou esboços de roteiros.

A razão pela qual muitos deles acabaram não sendo desenvolvidos pode certamente estar na compreensão míope de Hollywood a respeito do que realmente faz um bom filme. Para outros, contudo, idéias como as de Brecht de transformar o Manifesto Comunista em um filme épico esbarravam acima de tudo na ligação consideravelmente tênue do dramaturgo alemão com a realidade norte-americana.

Hollywood, na época de Brecht, era exatamente o que é hoje: um grande negócio. A simples realidade de que é o dinheiro – e não os sonhos – que faz o mundo girar era tão pertinente na época de Rita Hayworth, quanto é hoje na era de Julia Roberts.

O público sempre preferiu aventuras com armas e romances a experimentos estéticos sobre a alienação ou a ira anticapitalista. E é exatamente por isso que Hollywood se tornou uma das maiores invenções do sistema capitalista: um anestésico ideológico amargo, disfarçado de sorvete adocicado.

Os imigrantes alemães nos EUA participaram como atores, produtores, roteiristas ou diretores em aproximadamente 30% dos 180 filmes antinazistas feitos no país entre 1939 e 1946. Mas apenas um roteiro escrito por Brecht acabou realmente nas telas de Hollywood.

Brecht – que escreveu páginas e páginas sobre sua frustração com o filme – acabou, no fim, nem recebendo os créditos pelo roteiro, mas somente pela idéia na qual o longa-metragem se baseou. Seus esforços em envolver a Associação dos Roteiristas para decidir a questão entre ele e o co-roteirista norte-americano acabaram causando embaraços, uma vez que Brecht nunca conseguiu trazer à tona evidências de ter escrito realmente qualquer parte do roteiro. "Todo dia, para ganhar meu pão, vou para o mercado onde se vendem mentiras", escreveu Brecht em 1941.

Ainda hoje existe uma linha tênue que separa o gênio incompreendido da criança petulante. Muitas pessoas que encontraram Brecht durante seus anos difíceis no exílio norte-americano ficavam tudo menos impressionadas com o dramaturgo.

O poeta W.H. Auden, que colaborou com Brecht na adaptação de A Duquesa de Malfi, de John Webster, para a Broadway, acreditava que Brecht era uma "pessoa odiável", enquanto o crítico teatral Eric Bentleyo descrevia o dramaturgo como um pilantra "sem qualquer decência elementar".

Em função de sua personalidade ferina e autoritária, Brecht não fez muitos amigos do outro lado do Atlântico. Se alguma coisa o ajudou a sobreviver nesses anos difíceis, deve ter sido sua crença inabalável em sua própria grandeza. A relação de Brecht com os alemães emigrados não era menos tempestuosa.

O filósofo e pensador Theodor W. Adorno, um dos principais nomes da Escola de Frankfurt, escreveu certa vez que "Brecht gastava duas horas por dia sujando suas próprias unhas, tentando fazer com que adquirisse uma aparência proletária".

Brecht, por sua vez, referia-se aos membros da Escola de Frankfurt como "mandarins, elitistas culturais e intelectuais prostituídos", cuja "tarefa mais revolucionária era a de preservar o dinheiro da instituição".

Inegável era a crença de Brecht na arte como propaganda – não como um espelho da realidade, mas como "um martelo que a forma". Esta é a razão real por que não foi mesmo possível a ele, um defensor do estranhamento antiilusionista no teatro, ser aceito em uma cidade construída a partir da idéia de transformar quimeras em dinheiro.

Para Brecht, Hollywood era meramente um epítome da máquina hipnótica capitalista e seu período americano, um tempo de solidão e isolamento cultural. Para Hollywood, por outro lado, Brecht era simplesmente um comunista maltrapilho, de temperamento difícil e mal-educado, que perdeu seu caminho na cidade dos anjos. A passagem dele por Los Angeles foi uma jogada errônea de proporções quase míticas.

Fonte - Deutsche Welle Especial: Bertolt Brecht 1956–2006


Brecht, segundo o Instituto Goethe


Em 1924 Brecht mudou-se para Berlim, onde foi assistente dos diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Em 1928 a encenação da Ópera dos três vinténs alçou Brecht à fama.

A peça é, talvez, a mais conhecida das suas obras e já mostra a crítica e as teorias teatrais que Brecht veio a desenvolver efetivamente mais tarde.

Em 1929 Brecht passou a elaborar sua teoria do “teatro épico”. Em 1933, com a ascensão do nazismo, exilou-se sucessivamente na França, Dinamarca, Finlândia e Estados Unidos (onde permaneceu durante seis anos, de 1941 a 47).

Acusado de atividades antiamericanas (e interrogado por McCarthy), foi forçado a voltar para a Alemanha, fixando-se em Berlim Oriental.

Lá criou sua própria companhia, o Berliner Ensemble, que produziu suas últimas peças e foi um dos teatros mais ativos da Alemanha na segunda metade do séc. XX.

Com a teoria que propunha uma representação épica do teatro, Brecht pretendeu opor-se ao “teatro dramático”, que – segundo Brecht – conduz o espectador a uma ilusão da realidade, reduzindo-lhe a percepção crítica.

O referido “efeito de estranhamento” tinha o objetivo de estimular o senso crítico, tornando claros os artifícios da representação cênica e destacando conseqüentemente o valor revolucionário do texto.

Brecht foi um escritor multifacetado, mas sempre manteve uma unidade básica, através da qual permanece atual ainda hoje. Sua obra abarca o teatro, a poesia, o romance, o ensaio, a crítica teatral e o aforismo.

O autor inovou ao utilizar temas do mundo americano e da nova indústria de produção serial, foi audacioso no ritmo – e na secura – de sua lírica e inovou com as Kabarettchansone da época da inflação galopante da República de Weimar e com os songs americanos tão característicos a partir d’A Ópera dos três vinténs.
A Ópera dos Três Vinténs é, aliás, um manifesto da perenidade.

Bibliografia de peças do teatro alemão traduzidas para o português disponíveis nos Institutos Goethe do Brasil e de Portugal.

http://www.goethe.de/Ins/br/sap/prj/bre/ldb/ptindex.htm

Pesquisa, copy e edição - Flavio Deckes