Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."

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Sobre a atitude crítica

A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado. Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera. E são também
Exemplos de arte.


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Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem! Saiba também que não crer algo significa algo crer!
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Nada É Impossível De Mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.


O poeta e autor teatral alemão Bertolt Brecht escreveu obras criticando o capitalismo, o nazismo e Adolf Hitler.

Desenvolveu um teatro épico revolucionário, no qual os atores interpretam seus papéis sem acrescentar emoção à atuação, para chegar facilmente ao público a mensagem do autor.


...


Nascido Eugen Berthold Friederich Brecht, em 10 de fevereiro de 1898, rebento de uma família da burguesia suábia relativamente próspera, na cidade de Augusburg, no Reino da Bavária, então na órbita do II Reich, os amargores coletivos provocados pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial jogaram-no, como a tantos outros jovens zangados, nos braços do inconformismo e do radicalismo ideológico.

Brecht, quando estudante de medicina, servindo num lazareto militar, chegou a integrar os conselhos revolucionários que se formaram logo que o império do Kaiser Guilherme II entrou em colapso. A partir de 9 de novembro de 1918, o Velho Regime fora abaixo com notável rapidez, sendo substituído, ainda que transitoriamente, pela Räterepublik, uma República de Conselhos (no molde dos sovietes russos de 1905 e de 1917 ou ainda na Comuna de Paris, de 1871).

Em pouco tempo a Alemanha mergulhou num caos com levantes ocorrendo em todos os lados, nos quais as milícias da revolução, formadas por soldados, marinheiros e operários, eram reprimidas pelos corpos francos formados por ex-combatentes e seus oficiais.

Foi por essa ocasião que Brecht, então com 22 anos, empenhou-se em visitar Berlim para tentar uma carreira no meio teatral. Foi um desastre. Era difícil encontrar pão e trabalho numa cidade convulsionada pelos choques políticos, em meio a uma multidão de desempregados e soldados desmobilizados, furiosos e famintos. Um ar pesado de sangue e pólvora dominava as ruas da metrópole.

Todavia o desabamento do Reich, se mergulhou a nação alemã no caos, instigou os artistas da época a buscar novas formas de expressão. Deu-se por então o apogeu do expressionismo com suas imagens propositadamente entortadas, seu mundo sombrio e cinzento, suas figuras torturadas em meio às paisagens desoladoras.

Era a mais autêntica estética da desordem. Nos quadros de Otto Dix e George Grosz a pessoa humana dava lugar à caricatura, paralelamente ao momento em que magos malignos ("Das Kabinett des Doktor Caligari", de Robert Wiene, 1920), e vampiros ("Nosferatu", de Murnau, 1922) tomavam conta das telas.

Ao tempo em que tudo parecia afundar, em Berlim, em plena sintonia com o nome de um dos bares famosos da época, o Zur letzten Instantz ("A derradeira instância"), as casas de diversão enchiam-se com boêmios dispostos a gastar seus minutos como se fossem os últimos que gozariam na vida.

O jazz, o charleston e o tango, o trompete, o piano e o bandônion, tocados até o amanhecer, rivalizavam-se na conquista do gosto dos bailarinos e dos infatigáveis pares dançantes dos incontáveis salões que se estendiam da Friedrichstrasse até a feérica Kurfürsterdamm.

Os teatros populares, o Varieté ou o vaudeville, instalados em enormes espaços para diversões, como no Wintergarten ou no Scala, atraíam multidões que, por alguns centavos, mergulhavam numa névoa de fumaça de tabaco e torpor alcoólico, embalados por bandas de todos os tipos.

A inovação e o escândalo, a revolução e a reação, disputavam cada milímetro das atividades culturais do país, a vida noturna da grande metrópole parecia desafiar qualquer descrição. A ex-sóbria capital do Reich se tornou o reino do exagero, do pansexualismo e da audácia estética.

A impressão que se tinha é que na República de Weimar "a moralidade estava suspensa", era um vale-tudo. Parecia que os alemães haviam perdido não só a guerra mas também o bom senso das coisas.

De certo modo pode entender-se a ópera dele Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, "Ascenção e queda do estado Mahagony", estreada em Leipzig, em 1930, um tanto antes da ascensão do nazismo, como uma caricatura da Berlim do seu tempo, a sociedade em que os prazeres pareciam não ter mais fim: o vaudeville permanente em que ela se transformara.

Por um novo teatro

De volta a metrópole em 1924, depois da experiência faminta e fracassada de 1920, Brecht tratou de procurar um caminho para si no escorregadio e volátil meio artístico da capital assumindo uma função de leitor de peças no Deutsches Teather, dirigido por Max Reinhardt, o mais famoso e celebrado diretor e produtor cultural daquela época.

Para o jovem recém chegado o teatro tinha que absorver urgentemente as novas formas de expressão. A encenação burguesa, a apresentação acadêmica, tudo aquilo ruíra com o desastre guilhermino de 1918 devendo dar lugar a uma outra forma de encenação, a moderna, a que incorporasse o gosto popular, os números de cabaré e do music-hall, a cantoria das tavernas e dos bares suspeitos, a fala da feira-livre e do mundo marginalizado.

A novidade absorveria, tanto no dramático como no cômico, a tecnologia, as alterações provocadas pela técnica, junto com a barulheira das ruas e dos logradouros públicos, tendo como fundo as vozes da multidão.Tudo isso seria o pano de fundo para colocar em cena uma nova abordagem provocada pelo levante das massas não só na Rússia de Lênin, mas por boa parte da Europa (especialmente entre os anos de 1917 a 1923).

Posição que nele foi ainda mais reforçada depois dos seus encontros de estudo, a partir de 1928, com Karl Korsch, um marxista extremado, teórico que Brecht considerava o "seu mestre" (ambos voltariam a trabalhar junto no exílio norte-americano).

No que tocava as inovações, Erwin Piscator, um talentoso diretor teatral daqueles anos, já colocara em andamento dispositivos mecânicos e trechos de filmes alternados com leituras no chamado teatro proletário quando assumiu a função de mestre-em-cena do Volksbühne (1924/27).

Todavia Brecht imaginou acrescentar tons mais picarescos como aqueles desenvolvidos por Kurt Valentin, ator solo, o Chaplin alemão, personagem surrealista capaz de provocar risos infindáveis na platéia.

O negócio era acabar para sempre com o que até então se considerava teatro – com as "leis imutáveis" de Aristóteles - fazendo do palco uma tribuna livre, uma ágora celebrando o homem como "processo", enfatizando o princípio tão caro aos socialistas de que é a "existência social quem determina o pensamento".

O Freie Volksbühne , o teatro popular alemão, fora fundado nas vésperas de 1914 com peças voltadas para os dramas reais, com forte conotação social para atrair os operários de Berlim, seguindo a política Die Kunst dem Volke, a arte para o povo, defendida pela social-democracia.

Destruído pela ascensão do nazismo, foi reconstruído em 1950 segundo o projeto do arquiteto Hans Richter. Seu continuador foi o teatro total, projetado por Gropius para Piscator com o objetivo de assegurar a comunhão social, suprimindo com a distinção entre palco e platéia, atores e espectadores. Obra todavia que nunca foi concretizada.

O Teatro Épico

O carrossel seria a maneira mais adequada para se definir o teatro convencional, o tipo de encenação que envolvia completamente o espectador.

A isso Brecht propunha a imagem de um teatro-planetário no qual o público vê à distância os corpos celestes, permitindo assim o Verfremdungseffekt, o efeito do distanciamento necessário ao bom exercício do espírito crítico.

Nada, portanto, de se estimular o sentimentalismo e a emoção mais forte pois turvam a consciência. O teatro épico, cismático, defendido por ele, tinha como intenção desconstruir o encantamento e o enlevo, o entusiasmo e o êxtase, que a apresentação tradicional procurava alcançar, visto que o mundo a ser conquistado estava "lá fora", nas ruas, na vida real que estava à espera de todos quando, encerrada a sessão, as portas do teatro se fechavam.

Tudo tinha que revelar "clareza, saber, consciência"..."dirigir-se a sua razão"..
A encenação do teatro épico era um instrumento para atingir uma massa de espectadores cada vez maior, sendo que as técnicas utilizadas estão inteiramente a serviço disso, da difusão.

O Volksbühne, o teatro popular de Berlim

Ao enfocar "o lado de fora" e não "o aqui dentro", a tomada das praças e não o fascínio pelo tablado, ele se insurgiu contra a mais que secular tradição ocidental da encenação vinda desde Aristóteles (que propunha a unidade de ação, o clímax e a catarse), que erigira o teatro como um espaço comunitário sagrado com funções específicas de provocar a catarse, mas não rompendo com as lições herdadas de Lessing

.. (a criação deve refletir todo os graus da vida comum e da experiência, sendo que tudo o que fosse pomposo, ornamental, e outras formas emprestadas, deve ser banido, colocando-se a sinceridade como o primeiro requisito, procurando sempre espelhar homens e mulheres verdadeiros, como consta no seu Hamburgischen Dramaturgie, de 1759)..

Fruto dos tempos revolucionários, o teatro épico brechtiano era um alçar de bandeiras, um elixir revigorante para a ação política e não para a contemplação pacífica.

Segundo Brecht não havia nenhum refúgio idílico para os homens do seu tempo: uma sala escura qualquer aconchegante frente a um estrado iluminado onde os indivíduos pudessem, por um momento, atraídos pelos atores e fascinados pela coreografia, deixassem se arrebatar, se esquecendo por um momento das mazelas da existência e dos dramas que ocorriam nas redondezas do teatro.

A luta de classes sempre devia estar presente na consciência deles todos, fustigando-os a qualquer momento.
Deutsche Welle

Especial:

Bertolt Brecht 1956–2006

Em 14 de agosto de 1956 o séc. 20 perdia um de seus dramaturgos mais revolucionários: Eugen Bertholt Friedrich Brecht, ou apenas Bertolt Brecht, como se assinava o artista.
Através dele, o teatro (re)encontrou técnicas inovadoras como a do distanciamento, transformando-se de deleite burguês em instrumento de acusação, protesto político, ou mesmo de doutrinação.

Porém sem jamais perder totalmente a poesia, o humor e o prazer. Afinal Brecht era, acima de tudo, um homem de teatro. Passeie por este nosso dossiê, encontre as diversas facetas de um autor e diretor polêmico, paradoxal e mais vivo do que nunca.

Meio século após a morte de Brecht, sua obra é pouco cultuada na Alemanha. Em muitos países do mundo, ao contrário, o dramaturgo é celebrado com todas as honras.

Túmulo de Brecht
em Berlim:
Morto no país e
Vivo no exterior


Mesmo assim, 50 anos depois de sua morte, Brecht se tornou um desconhecido em seu país de origem. Uma pesquisa recente, encomendada pela revista Bücher, interrogou mais de mil homens e mulheres a respeito do dramaturgo. Os resultados: nada menos que 42% dos entrevistados nunca tinham lido ou visto nada de Brecht.

E a maioria esmagadora (89%) nem ao menos vislumbrava que o dramaturgo havia fundado um teatro ainda hoje conhecido, quanto menos sabiam dizer que teatro era esse. "Brecht é simplesmente passé", foi a conclusão lapidar de Konrad Lischka, editor-chefe da Bücher.

E por que o grande mestre Brecht não desperta mais interesse nos discípulos, que não querem nem saber dele? Por causa de seu entusiasmo incondicional pelo comunismo, ele já era, em vida, idolatrado ou desprezado na Alemanha, de acordo com o ponto de vista ideológico de quem emitia o parecer.

Durante a Guerra Fria, Brecht chegou até mesmo a ser boicotado como "comunista e ateísta" pelos círculos literários da então Alemanha Ocidental.
Brecht tinha, lembre-se, uma relação indiferente com sua terra natal, Augsburg: o melhor de lá, consta que declarou certa vez o dramaturgo, era o trem que saía em direção a Munique.
Kurt-Georg Kiesinger chegou a chamar Brecht de "o grande, mas pior filho da cidade".

No lado comunista, ele tampouco era abraçado com entusiasmo pelos camaradas: "Em Moscou, não havia nem compreensão nem interesse pelo seu teatro épico. Ele também jamais teria, com suas posições radicais, sobrevivido a um exílio soviético", conta o biógrafo Reinhold Jaretyky.

Pois Brecht manteve paralelamente à sua lealdade ao "projeto comunismo", uma distância cética em relação ao poder do regime comunista – mesmo que esse aspecto seja hoje praticamente esquecido.

Entretanto não seria correto creditar a parca popularidade de Brecht somente às suas querelas políticas dúbias. Um outro aspecto elucidado pela pesquisa realizada recentemente mostra que a razão da rejeição a Brecht pode ser outra: 55% dos entrevistados leram uma peça de Brecht pela última vez ainda na escola.

Uma leitura obrigatória, que deixava os então escolares simplesmente enfastiados. Pois a maioria deles nunca mais quis ler nada do dramaturgo nos anos seguintes. E Brecht acabou se tornando uma fonte de dores de cabeça para os alunos.
As razões? Leituras forçadas prematuramente, uma introdução incorreta em sua obra, que simplesmente azeda o prazer de ler seus textos para o resto da vida?

"Não se deve tirar conclusões tão drásticas de uma pesquisa como essa", diz o professor Jan Knopf, diretor do Centro de Estudos Bertolt Brecht da Universidade de Karlsruhe. Brecht, é, segundo ele, conhecido de outras formas que Goethe ou Thomas Mann.

E suas palavras se tornaram tão óbvias, que muitas vezes citamos Brecht mesmo sem saber. E encontramos fragmentos de obras, mesmo sem perceber. "Primeiro a barriga, depois a moral" ou "quem luta, pode perder, mas quem não luta, já perdeu" são algumas das citações de Brecht já tornados "anônimas" e que se transformaram quase em domínio público.

Em 1927, o autor dramático, poeta lírico e narrador alemão Bertolt Brecht propôs a Kurt Weill escrever a música para o libreto de Die Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vinténs). Brecht baseou-se numa tradução da Bagger's Opera (Ópera do Mendigo), feita pela alemã Elisabeth Hauptmann, na qual John Gray, em 1728, havia feito um retrato satírico da classe dominante inglesa.

Inspirado nos gêneros opereta e comédia musical, Brecht e o até então desconhecido Weil contaram a história de Mac Navalha e de seu amor por Polly, a filha de J. J. Peachum, seu inimigo. Este, mais conhecido por Rei dos Mendigos, vestia sua gangue como deficientes ou mendigos e os mandava pedir esmolas. Mac, por seu lado, defendia uma linha mais dura, explorando assaltos e prostituição.

Nem libreto, nem música estavam prontos na véspera da estréia, de forma que todos apostavam no seu fracasso. O nome da obra foi decidido poucos minutos antes de abrir a cortina para a estréia da peça. O texto definitivo só ficou pronto em 1931.
Apesar disso, o sucesso foi estrondoso, tanto na Alemanha como no exterior, até 1933, quando os nazistas tiraram a peça de cartaz.

Músicas como a Balada da Boa Vida, que Mac canta na prisão, ou a Canção da Dependência Sexual, da senhorita Peachum, em pouco tempo adquiriram caráter popular. Além disso, Brecht conseguiu mexer com o público, levando-o a refletir.
No final do segundo ato, por exemplo, o elenco discute a condição humana ("num mundo como este, o homem, para sobreviver, tem de suprimir a sua humanidade e explorar o seu semelhante").

Brecht criticava as disparidades sociais da sua época: "Quero fazer um teatro com funções sociais bem definidas. O palco deve refletir a vida real. O público deve ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir como administrar melhor sua vida", dizia o autor dramático, poeta lírico e narrador alemão.

Bertolt Brecht fugiu da Alemanha nazista em 28 de fevereiro de 1933, um dia após o incêndio do Reichstag. O escritor sabia que logo começaria a caça à esquerda e aos opositores do regime de Hitler.

No dia em que o escritor Bertolt Brecht deixou a Alemanha, 28 de fevereiro de 1933, a notícia nem sequer saiu no jornal. Ele não anunciara que iria deixar o país, e o tema das manchetes do dia era outro: o incêndio do Reichstag, na véspera.

A polícia responsabilizou a esquerda e logo apresentou o suposto autor do incêndio. Os nazistas aproveitaram para prender um grande número de sindicalistas, socialistas e comunistas, que foram enviados aos primeiros campos de concentração, improvisados para esse fim.

Como nenhum outro intelectual, Brecht previra a catástrofe iminente, o que aconteceria se os nazistas assumissem o poder na Alemanha. Sua Lied vom SA-Mann (Canção do homem da SA) deixa transparecer toda a sua clarividência.

Nela, ele descreve como a depressão no final da década de 1920, as batalhas de rua e as eternas crises de governo culminariam nas barbáries do Terceiro Reich. "Dormi de fome, com o estômago roncando. Pegando no sono ouvi gritarem: 'Acorda Alemanha'. E vi muitos marcharem gritando 'Vamos ao Terceiro Reich!' Eu não tinha nada a perder e fui com eles, sem me importar para onde."

Em 1933, aconteceu o que se temia e Adolf Hitler tornou-se chanceler do Reich. No mais tardar, após a tenebrosa marcha com tochas pelo Portão de Brandemburgo, em Berlim, em honra ao novo detentor do poder, ficou claro que a sombria intuição de Brecht logo se transformaria em realidade.

Não demorou muito e começou o êxodo dos intelectuais alemães. Nem todos, porém, quiseram ou puderam fugir a tempo, como o detentor do Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, que foi levado a um campo de concentração e morreu em conseqüência das torturas.

Outros, como o escritor Erich Kästner, se retiraram da vida pública e assim sobreviveram ao "reino de mil anos" que Hitler pretendia instituir. A história, contudo, se lembra mais dos que conseguiram escapar: Albert Einstein, os escritores Lion Feuchtwanger, Thomas Mann, Erich Maria Remarque, os músicos Kleiber, Busch, Klemperer e muitos outros.

Brecht foi um dos primeiros a deixar o país, por saber o que o aguardava quando o partido de Hitler começasse a colocar em prática suas ameaças. Num poema em prosa, ele expôs as razões de sua perseguição:

"Quando me forçaram ao exílio, os jornais publicaram que foi por uma poesia minha, ridicularizando o soldado da Primeira Guerra Mundial. Agora, quando eles preparam uma nova guerra mundial, decididos a superar as monstruosidades da última, é quando se persegue ou se mata gente como eu, por delatar os seus atentados".

A poesia a que Brecht se refere, que teria inspirado o ódio dos nazistas, é Legende vom toten Soldaten (Lenda do soldado morto), um poema pacifista que se refere à Primeira Guerra Mundial.
Como faltassem soldados ao exército do Império Alemão, decidiu-se desenterrar um soldado que morrera, vesti-lo com um novo uniforme e arranjá-lo para que passasse pelo exame médico e fosse mandado de volta ao front. Sob os aplausos do clero e dos representantes do grande capital, o defunto foi enviado ao campo de batalha para morrer como herói.

Os nazistas não odiavam apenas o poeta Bertolt Brecht, odiavam também o seu pacifismo e o fato de ele ser comunista. Na sua Balada da árvore e dos galhos, de 1931, Brecht antecipou o comportamento assassino das hordas nazistas, no dia em que pudessem agir livremente.

Com sua visão, Brecht decidiu fugir assim que soube do incêndio do prédio do Reichstag. Um dia depois, na manhã de 28 de fevereiro de 1933, deixava Berlim em direção a Praga. Da capital da então Tchecoslováquia foi a Viena, de lá até a Suíça e a seguir para a Dinamarca, onde se radicou por alguns anos.

O exílio o levaria ainda à Finlândia e aos Estados Unidos. O autor de A Ópera dos três vinténs e outras obras inesquecíveis conseguiu escapar de Berlim antes de começar a primeira onda de prisões do novo regime, que afundaria a Alemanha e o mundo numa guerra sem precedentes.

Durante seus seis anos de exílio na Califórnia, o stalinista fumante de charutos, com suas calças largas e fora de moda, que falava inglês com um sotaque alemão fortíssimo, passou a maior parte do seu tempo tentando desesperadamente se tornar um roteirista de Hollywood. Entre 1941 e 1947, ele trabalhou em mais de 50 roteiros ou esboços de roteiros.

A razão pela qual muitos deles acabaram não sendo desenvolvidos pode certamente estar na compreensão míope de Hollywood a respeito do que realmente faz um bom filme. Para outros, contudo, idéias como as de Brecht de transformar o Manifesto Comunista em um filme épico esbarravam acima de tudo na ligação consideravelmente tênue do dramaturgo alemão com a realidade norte-americana.

Hollywood, na época de Brecht, era exatamente o que é hoje: um grande negócio. A simples realidade de que é o dinheiro – e não os sonhos – que faz o mundo girar era tão pertinente na época de Rita Hayworth, quanto é hoje na era de Julia Roberts.

O público sempre preferiu aventuras com armas e romances a experimentos estéticos sobre a alienação ou a ira anticapitalista. E é exatamente por isso que Hollywood se tornou uma das maiores invenções do sistema capitalista: um anestésico ideológico amargo, disfarçado de sorvete adocicado.

Os imigrantes alemães nos EUA participaram como atores, produtores, roteiristas ou diretores em aproximadamente 30% dos 180 filmes antinazistas feitos no país entre 1939 e 1946. Mas apenas um roteiro escrito por Brecht acabou realmente nas telas de Hollywood.

Brecht – que escreveu páginas e páginas sobre sua frustração com o filme – acabou, no fim, nem recebendo os créditos pelo roteiro, mas somente pela idéia na qual o longa-metragem se baseou. Seus esforços em envolver a Associação dos Roteiristas para decidir a questão entre ele e o co-roteirista norte-americano acabaram causando embaraços, uma vez que Brecht nunca conseguiu trazer à tona evidências de ter escrito realmente qualquer parte do roteiro. "Todo dia, para ganhar meu pão, vou para o mercado onde se vendem mentiras", escreveu Brecht em 1941.

Ainda hoje existe uma linha tênue que separa o gênio incompreendido da criança petulante. Muitas pessoas que encontraram Brecht durante seus anos difíceis no exílio norte-americano ficavam tudo menos impressionadas com o dramaturgo.

O poeta W.H. Auden, que colaborou com Brecht na adaptação de A Duquesa de Malfi, de John Webster, para a Broadway, acreditava que Brecht era uma "pessoa odiável", enquanto o crítico teatral Eric Bentleyo descrevia o dramaturgo como um pilantra "sem qualquer decência elementar".

Em função de sua personalidade ferina e autoritária, Brecht não fez muitos amigos do outro lado do Atlântico. Se alguma coisa o ajudou a sobreviver nesses anos difíceis, deve ter sido sua crença inabalável em sua própria grandeza. A relação de Brecht com os alemães emigrados não era menos tempestuosa.

O filósofo e pensador Theodor W. Adorno, um dos principais nomes da Escola de Frankfurt, escreveu certa vez que "Brecht gastava duas horas por dia sujando suas próprias unhas, tentando fazer com que adquirisse uma aparência proletária".

Brecht, por sua vez, referia-se aos membros da Escola de Frankfurt como "mandarins, elitistas culturais e intelectuais prostituídos", cuja "tarefa mais revolucionária era a de preservar o dinheiro da instituição".

Inegável era a crença de Brecht na arte como propaganda – não como um espelho da realidade, mas como "um martelo que a forma". Esta é a razão real por que não foi mesmo possível a ele, um defensor do estranhamento antiilusionista no teatro, ser aceito em uma cidade construída a partir da idéia de transformar quimeras em dinheiro.

Para Brecht, Hollywood era meramente um epítome da máquina hipnótica capitalista e seu período americano, um tempo de solidão e isolamento cultural. Para Hollywood, por outro lado, Brecht era simplesmente um comunista maltrapilho, de temperamento difícil e mal-educado, que perdeu seu caminho na cidade dos anjos. A passagem dele por Los Angeles foi uma jogada errônea de proporções quase míticas.

Fonte - Deutsche Welle Especial: Bertolt Brecht 1956–2006


Brecht, segundo o Instituto Goethe


Em 1924 Brecht mudou-se para Berlim, onde foi assistente dos diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Em 1928 a encenação da Ópera dos três vinténs alçou Brecht à fama.

A peça é, talvez, a mais conhecida das suas obras e já mostra a crítica e as teorias teatrais que Brecht veio a desenvolver efetivamente mais tarde.

Em 1929 Brecht passou a elaborar sua teoria do “teatro épico”. Em 1933, com a ascensão do nazismo, exilou-se sucessivamente na França, Dinamarca, Finlândia e Estados Unidos (onde permaneceu durante seis anos, de 1941 a 47).

Acusado de atividades antiamericanas (e interrogado por McCarthy), foi forçado a voltar para a Alemanha, fixando-se em Berlim Oriental.

Lá criou sua própria companhia, o Berliner Ensemble, que produziu suas últimas peças e foi um dos teatros mais ativos da Alemanha na segunda metade do séc. XX.

Com a teoria que propunha uma representação épica do teatro, Brecht pretendeu opor-se ao “teatro dramático”, que – segundo Brecht – conduz o espectador a uma ilusão da realidade, reduzindo-lhe a percepção crítica.

O referido “efeito de estranhamento” tinha o objetivo de estimular o senso crítico, tornando claros os artifícios da representação cênica e destacando conseqüentemente o valor revolucionário do texto.

Brecht foi um escritor multifacetado, mas sempre manteve uma unidade básica, através da qual permanece atual ainda hoje. Sua obra abarca o teatro, a poesia, o romance, o ensaio, a crítica teatral e o aforismo.

O autor inovou ao utilizar temas do mundo americano e da nova indústria de produção serial, foi audacioso no ritmo – e na secura – de sua lírica e inovou com as Kabarettchansone da época da inflação galopante da República de Weimar e com os songs americanos tão característicos a partir d’A Ópera dos três vinténs.
A Ópera dos Três Vinténs é, aliás, um manifesto da perenidade.

Bibliografia de peças do teatro alemão traduzidas para o português disponíveis nos Institutos Goethe do Brasil e de Portugal.

http://www.goethe.de/Ins/br/sap/prj/bre/ldb/ptindex.htm

Pesquisa, copy e edição - Flavio Deckes
Companhia de teatro

criada por Brecht

continua em atividade

O Berliner Ensemble, fundado em 1949 por Bertolt Brecht e por sua mulher, Helene Weigel, permanece como uma das importantes companhias de teatro na Alemanha, fazendo jus ao legado do dramaturgo.

Berliner Ensemble permanece um dos teatros mais conceituados da capital alemã. Cinco anos após sua fundação, o Berliner Ensemble mudava-se para o Theater am Schiffbauerdamm, em Berlim, onde continua instalado até hoje. Embora, de resto, quase tudo tenha mudado na trajetória da companhia desde então.

Os anos que sucederam a reunificação da Alemanha foram dominados por disputas pela propriedade e administração da companhia. Em 1999, o Berliner Ensemble chegou a ficar fechado por um ano. Em 2000, Claus Peymann, do renomado Burgtheater de Viena e considerado no cenário teatral um "espírito livre", foi indicado como diretor.

Durante sua trajetória, Peymann causou uma série de controvérsias com um tipo de produção que recebeu mais indignação que elogios. Como força-motriz do Berliner Ensemble, ele conseguiu manter a companhia como um pólo de vanguarda do teatro inovador, bem ao espírito de Brecht.

Os críticos da companhia dizem, porém, que o Berliner Ensemble é algo que lembra um mausoléu. As peças de Brecht continuam sendo a base do repertório, embora Peymann dê outro tempero ao programa do teatro com clássicos que vão de Samuel Beckett a August Strindberg e Heinrich von Kleist.

O Berliner Ensemble costuma eliminar qualquer sinal de que o teatro poderia estar se empoeirando ao trazer ao palco produções que atraem a atenção da opinião pública, como foi o caso da peça francesa Le dieu du carnage, de Yasmina Reza, ou The Sonnets, de Robert Wilson, um dos espetáculos mais comentados este ano em Berlim. Outro fator que contribuiu para "desempoeirar" o teatro foi a participação do cantor e compositor Rufus Wainwright.

Peymann afirmou ao diário Die Welt que, de forma geral, nos últimos oito anos, 20% dos espetáculos apresentados no Berliner Ensemble foram estréias. Segundo ele, trabalhos contemporâneos perfazem 58% do programa do teatro.

Assim, as peças mais frequentadas continuam sendo de teatro épico. Entre as mais concorridas estão A Ópera dos Três Vinténs, A Resistível Ascensão de Arturo Ui e Mãe Coragem e Seus Filhos.

Escrita por Bertolt Brecht em 1939 como uma tentativa de combater a ascensão do fascismo e do nazismo, Mãe Coragem e Seus Filhos conta a história de uma mulher que tenta manter sua vida profissional e familiar durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa. Até hoje, é considerada uma das peças mais antibélicas de todos os tempos.

Muitos dos atores de teatro mais respeitados da Alemanha foram ou são membros do Berliner Ensemble, entre estes Carmen-Maja Antoni, que interpreta o papel da protagonista na atual produção de Mãe Coragem da companhia. Atriz que apareceu pela primeira vez, aos 11 anos, numa produção para a TV na então Alemanha Oriental, ela se ligou ao Berliner Ensemble em 1976. Um de seus primeiros papéis foi o de Kattrin, a filha muda da Mãe Coragem.

Embora as atrizes venham interpretando a mesma peça por mais de três anos, elas afirmam que há sempre algo novo a ser descoberto. "Todo dia surgem novas dificuldades e temos idéias novas sobre as cenas. A cada noite interpretamos uma nova peça", diz Antoni.

Antoni comenta que cada diretor tem um estilo diferente e uma abordagem pessoal de Brecht, o que representa um desafio para seu trabalho como atriz, sendo também o que desafia a platéia. A dramaturga Jutta Ferbers, que trabalha no Berliner Ensemble, concorda que o que move as pessoas a irem ao teatro é uma combinação inspirada de diretores, atores e cenógrafos.

Ferbers tem uma resposta na ponta da língua a todos aqueles que dizem que Brecht se tornou obsoleto depois da queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo no Leste Europeu: "Brecht é realmente um dos maiores escritores, que continua sendo muito importante. Suas peças são bem construídas e ainda relevantes hoje. Elas não são história, mas continuam vivas".

Ferbers está convencida de que o Berliner Ensemble tem futuro, apesar das ameaças constantes de redução no número de produções ou fechamento. "Espero que mesmo nesses tempos difíceis tenhamos verbas suficientes e público suficiente para continuar fazendo um bom teatro", diz a atriz.

Principalmente graças a seu diretor artístico, Claus Peymann, o Berliner Ensemble continua, na realidade, em boa forma do ponto de vista financeiro. Mesmo considerando que não se trata, certamente, de um teatro de baixo custo.

Tradicionalmente uma companhia itinerante, o Berliner Ensemble levou Mãe Coragem ao Festival de Teatro Fadj de Teerã em 2008. A viagem foi controversa, com críticos dizendo que a decisão de Peymann de visitar o Irã estaria legitimando o antissemitismo do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad.

Meses depois, Peymann voltou às manchetes ao oferecer estágio a um ex-terrorista. Depois de ter passado 26 anos atrás das grades, Christian Klar – um dos líderes da segunda geração da Fração do Exército Vermelho – foi convidado a receber um treinamento para a profissão de técnico de palco no Berliner Ensemble.

Bertolt Brecht certamente teria aprovado o convite. Isso mostra que Claus Peymann, 60 anos após a fundação da companhia, continua conseguindo desafiar a sociedade com a mesma verve que seu fundador.

Por Cheryl Norhtey e Jane Paulick.

Copy e edição por Flavio Deckes

Brecht Poeta

Louvação da Desmemória
Boa é a desmemória! Sem ela, como iria deixar o filho a mãe que lhe deu de mamar, que lhe emprestou força aos membros e que o retinha para o experimentar.
Ou como iria o aluno deixar o mestre que lhe emprestou o saber? Com o saber emprestado, cumpre ao discípulo pôr-se a caminho.
Na casa velha os novos moradores entram; se lá estivessem ainda os que a construíram, seria a casa pequena demais.
O forno esquenta, e do oleiro ninguém se lembra mais. O lavrador não reconhece o pão depois de pronto.
Como levantar-se de novo o homem de manhã, sem o esquecimento que apaga os rastros da noite? Como iria, quem foi ao chão seis vezes, levantar-se pela sétima vez para amanhar o pedregoso chão, para subir ao perigoso céu?
É a fraqueza da memória que dá força à criatura humana.
(Poemas e Canções.Trad. Geir Campos. Civilização Brasileira, 1996)

Fala ao amado que vai a guerra
Meu querido, meu querido, se agora vais para a guerra,
vais combater o inimigo, não vás na frente da guerra nem fiques atrás da guerra: o fogo é rubro na frente, atrás é rubra a fumaça. Fica no meio da guerra, perto do porta-estandarte. São mortos sempre os primeiros, os últimos são também; os do meio é que para casa vêm.
(Poemas e Canções. Trad. Geir Campos, Civilização Brasileira, 1996)
...
Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários.
Seu futuro está garantido — à sua frente
Iluminado.
Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra.
Neste caso
Você nada precisa aprender.
Assim como é
Pode ficar.
Havendo ainda dificuldades, pois os tempos
Como ouvi dizer, são incertos
Vocês tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Professor, aprende!
Não digas tantas vezes que estás com a razão!
Deixa que o reconheçam os alunos!
Não forces com demasia a verdade: é que ela não resiste…
Escuta, quando falas!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Pergunta
Como há de ser instituída a verdadeira ordem sem o saber das massas?
Sem aviso, não se pode o caminho para tantos descobrir.
Vós, grandes mestres, deveis escutar bem o que os pequenos dizem!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Realizar algo de útil
Quando li que queimavam as obras dos que procuravam escrever a verdade
Mas ao tagarela George, o de fala bonita, convidaram
Para abrir sua Academia, desejei mais vivamente
Que chegue enfim o tempo em que o povo solicite a um homem desses
Que num dos locais de construção dos subúrbios
Empurre publicamente um carrinho de mão com cimento, para que Ao menos uma vez um deles realize algo de útil, com o que Poderia então retirar-se para sempre
Para cobrir o papel de letras
Às custas do
Rico povo trabalhador.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Quando me fizeram deixar o país
Lia-se nos jornais do pintor
Que isto acontecia porque num poema
Eu havia zombado dos soldados da Primeira Guerra. Realmente, no penúltimo ano da guerra
Quando aquele regime, para adiar sua derrota
Já enviava os mutilados novamente para o fogo
Ao lado dos velhos e meninos de dezessete anos
Descrevi em um poema
Como um soldado morto era desenterrado e
Sob o júbilo de todos os enganadores do povo
Sanguessugas e opressores
Conduzido de volta ao campo de batalha. Agora que preparam uma nova
Grande Guerra
Resolvidos a superar inclusive as barbaridades da última
Eles matam ou expulsam gente como eu
Que denuncia
Seus golpes.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Notícia sobre um náufrago
Quando o náufrago pisou em nossa ilha
Chegou como alguém que alcançou seu destino. Quase acredito que ao nos ver
A nós que havíamos corrido a ajudá-lo
Ele imediatamente sentiu compaixão. Já desde o início
Ocupou-se apenas de nossas coisas
Com a experiência do seu naufrágio
Ensinou-nos a velejar. Mesmo coragem
Ele nos instilou. Das águas tempestuosas
Falava com grande respeito, talvez
Por terem vencido um homem como ele. Sem dúvida
Haviam assim revelados muitos de seus truques. Este conhecimento faria de nós, alunos dele
Homens melhores. Sentindo falta de certas comidas
Ele melhorou nossa cozinha. Embora visivelmente insatisfeito consigo
Jamais se deixou ficar satisfeito com o estado de coisas
Em torno dele e de nós. Nunca, porém
Durante todo o tempo em que passou conosco
Ouvimo-lo queixar-se de outro alguém que não ele mesmo. Morreu de uma velha ferida. Já no leito
Experimentou um novo nó para nossas redes. Assim
Morreu aprendendo.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a decadência do amor
Suas mães deram à luz com dor, mas suas mulheres
Concebem com dor.
O ato do amor
Não mais vingará . O ajuntamento ainda ocorre, mas
O abraço é um abraço de lutadores. As mulheres
Ergueram o braço em defesa, enquanto
São cingidas por seus possuidores.
A rústica ordenhadora, conhecida
Por sua capacidade de no abraço
Sentir prazer, olha com desprezo
Suas infelizes irmãs vestidas em peles
Que recebem por cada meneio do traseiro bem-cuidado
A fonte paciente
Que deu de beber a tantas gerações
Vê com horror como a última
Lhe bebe a porção com expressão amarga.
Todo animal sabe fazê-lo. Entre esses
É tido como uma arte.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

A queima de livros
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder. Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me Como um mentiroso! Eu lhes ordeno: Queimem-me!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Mau tempo para a poesia
Sim, eu sei: só o homem feliz
É querido. Sua voz
É ouvida com prazer. Seu rosto é belo.
A árvore aleijada no quintal
Indica o solo pobre, mas
Os passantes a maltratam por ser um aleijão
E estão certos.
Os barcos verdes e as velas alegres da baía
Eu não enxergo. De tudo
Vejo apenas a rede partida dos pescadores. Por que falo apenas Da camponesa de quarenta anos que anda curvada?
Os seios das meninas
São quentes como sempre.
Em minha canção uma rima
Me pareceria quase uma insolência.
Em mim lutam
O entusiasmo pela macieira que floresce
E o horror pelos discursos do pintor. Mas apenas o segundo
Me conduz à escrivaninha.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a seriedade na arte
A seriedade do homem que dá forma às jóias de prata
É igualmente benvinda à arte do teatro, e benvinda
É a seriedade das pessoas que trancadas
Discutem o texto de um panfleto. Mas a seriedade
Do médico inclinado sobre o doente já não é adequada
À arte teatral, e inteiramente imprópria é
A seriedade do padre, seja suave ou inquieta.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

As novas eras
As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho,
A nova carne é comida com os velhos garfos.
Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeiros.
Das novas antenas vêm as velhas tolices. A sabedoria é transmitida de boca em boca.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a atitude crítica
A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado. Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera. E são também
Exemplos de arte.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Regresso
A cidade natal, como a encontrarei ainda? Seguindo os enxames de bombardeiros
Volto para casa. Mas onde está ela? Lá onde sobem
Imensos montes de fumaça. Aquilo no meio do fogo
É ela.
A cidade natal, como me receberá? À minha frente vão os bombardeiros. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso. Incêndios
Precedem o filho.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Facilidade
Vejam só a facilidade
Com que o rio poderoso
Rompe as barragens! O terremoto
Com mão indolente
Sacode o chão. O fogo terrível
Toma com graça
A cidade de mil casas
E a devora com gosto: Um comilão treinado.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)
...
A Cruz de Giz
Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA. Um dia, antes de ir
Ele me mostrou, sorrindo, como fazem
Para pegar os insatisfeitos. Com um giz tirado do bolso do casaco Ele fez uma pequena cruz na palma da mão. Ele contou que assim, e vestido à paisana anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e xingam
E xinga junto com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá um tapinha nas costas do homem que xinga
E este, marcado com a cruz branca ë apanhado pela SA. Nós rimos com isso. Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupança. Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos. Quando lhe tomei satisfações, ele jurou
Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso
Pôs a mão em meu ombro para me acalmar. Eu corri, aterrorizada. Em casa
Olhei minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.
...
A Exceção e a Regra
Estranhem o que não for estranho. Tomem por inexplicável o habitual. Sintam-se perplexos ante o cotidiano. Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
...
A Fumaça
A pequena casa entre árvores no lago. Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.
...

A Máscara Do Mal
Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado. Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal
...
A Minha Mãe
Quando ela acabou, foi colocada na terra
Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...
Ela, leve, não fez pressão sobre a terra
Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!
...
Acredite Apenas
Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem! Saiba também que não crer algo significa algo crer!
...
A Troca da Roda
Estou sentado á beira da estrada, o condutor muda a roda. Não me agrada o lugar de onde venho. Não me agrada o lugar para onde vou. Por que olho a troca da roda com impaciência?
...
As Boas Ações
Esmagar sempre o próximo não acaba por cansar? Invejar provoca um esforço que incha as veias da fronte. A mão que se estende naturalmente dá e recebe com a mesma facilidade. Mas a mão que agarra com avidez rapidamente endurece. Ah! que delicioso é dar! Ser generoso que bela tentação! Uma boa palavra brota suavemente como um suspiro de felicidade!
...
Aos que virão depois de nós
I
Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? Aquele que cruza tranqüilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado. (Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: Manter-se afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; Seguir seu caminho sem violência, pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Sabedoria é isso! Mas eu não consigo agir assim. É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava. Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. Eu comi o meu pão no meio das batalhas, deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes, mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos! A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca! Infelizmente, nós, que queríamos preparar o caminho para a amizade, não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. Mas vocês, quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem, pensem em nós com um pouco de compreensão.
...
Com Cuidado Examino
Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.
...
Como Bem Sei
Como bem sei
Os impuros viajam para o inferno
Através do céu inteiro. São levados em carruagens transparentes: Isto embaixo de vocês, lhe dizem
É o céu. Eu sei que lhes dizem isso
Pois imagino
Que justamente entre eles
Há muitos que não o reconheceriam, pois eles
Precisamente
Imaginavam-no mais radiante
...
Da Sedução Dos Anjos
Anjos seduzem-se: nunca ou a matar. Puxa-o só para dentro de casa e mete-lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
Para que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cú
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
Das Elegias
De Buckow
Viesse um vento
Eu poderia alçar vela. Faltasse vela
Faria uma de pano e pau.
...
De Que Serve A Bondade
1 De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2 Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
...
Elogio da Dialética
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros. Os dominadores se estabelecem por dez mil anos. Só a força os garante. Tudo ficará como está. Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores. No mercado da exploração se diz em voz alta: Agora acaba de começar: E entre os oprimidos muitos dizem: Não se realizará jamais o que queremos! O que ainda vive não diga: jamais! O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem falarão também os dominados. Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a continuação desse domínio? De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós. Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode calar-se? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã. E o "hoje" nascerá do "jamais".
...
Elogio do Revolucionário
Quando aumenta a repressão, muitos desanimam. Mas a coragem dele aumenta. Organiza sua luta pelo salário, pelo pão e pela conquista do poder. Interroga a propriedade: De onde vens? Pergunta a cada idéia: Serves a quem? Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino, ele cita os nomes. À mesa onde ele se senta se senta a insatisfação. À comida sabe mal e a sala se torna estreita. Aonde o vai a revolta e de onde o expulsam persiste a agitação.
...
Epístola Sobre O Suicídio
Matar-se
É coisa banal. Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso. Discutir com um amigo os prós e os contras. Um certo pathos, que atrai
Deve ser evitado. Embora isto não precise absolutamente ser um dogma. Mas melhor me parece, porém
Uma pequena mentira como de costume: Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor
Ainda: Sua mulher foi infiel (Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com essas coisas
E não é muito impressionante.)
De qualquer modo
Não deve parecer
Que a pessoa dava
Importância demais a si mesmo
...
Epitáfio Para Gorki
Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de
Alto a
Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.
...
Esse Desemprego!
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego! Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão. Quando queiram os senhores! A todo momento! Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento. Para nós é inexplicável
Tanto desemprego. Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego. Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível. É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido! Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego! Ou qual a sua opinião? Só nos pode convir Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir. Mas a questão é: nosso desemprego Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!
...
Eu Sempre Pensei
E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar. Quando eu disser como e
O coração de cada um ficará dilacerado. Que sucumbirás se não te defenderes
Isso logo verás.
Expulso
Por
Bom
Motivo
Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas da minha classe e me juntei
À gente pequena.
Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, e ele
Denuncia-os ao inimigo. Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos. O latim de seus clérigos corruptos Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
Então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da sua justiça e mostro
Os pesos falsos. E os seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta. Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram apenas escritos que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias da gente baixa. Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores. Mas os despossuídos
Lêem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Você, dizem
Foi expulso por bom motivo.
...
Ferro
No sonho esta noite Vi um grande temporal. Ele atingiui os andaimes Curvou a viga feita A de ferro. Mas o que era de madeira Dobrou-se e ficou.
...
Jamais Te Amei Tanto
Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste. Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro - Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul. Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois - É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.
..
Lendo Horácio
Mesmo o diluvio
Não durou eternamente. Veio o momento em que
As águas negras baixaram. Sim, mas quão poucos
Sobreviveram!
...
Louvor ao Estudo
Estuda o elementar: para aqueles cuja hora chegou não é nunca demasiado tarde. Estuda o abc. Não basta, mas
Estuda. Não te canses.
Começa. Tens de saber tudo. Estás chamado a ser um dirigente. Freqüente a escola, desamparado! Persegue o saber, morto de frio!
Empunha o livro, faminto! É uma arma! Estás chamado á ser um dirigente. Não temas perguntar, companheiro! Não te deixes convencer! Compreende tudo por ti mesmo.
O que não sabes por ti, não o sabes. Confere a conta. Tens de pagá-la. Aponta com teu dedo a cada coisa e pergunta: "Que é isto? e como é?" Estás chamado a ser um dirigente.
...
Na Guerra Muitas Coisas Crescerão
Ficarão maiores
As propriedades dos que possuem
E a miséria dos que não possuem
As falas do guia*
E o silêncio dos guiados.
*Führer
...
Na Morte De Um Combatente Da Paz
Á memória de Carl von Ossietzky
Aquele que não cedeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não cedeu. A boca do que preveniu
Está cheia de terra. A aventura sangrenta
Começa. O túmulo do amigo da paz
É pisoteado por batalhões. Então a luta foi em vão? Quando é abatido o que não lutou só
O inimigo
Ainda não venceu.
...
Nada É Impossível De Mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
...
Não Necessito De Pedra Tumular
Não necessito de pedra tumular, mas
Se necessitarem de uma para mim
Gostaria que nela estivesse: Ele fez sugestões
Nós as aceitamos. Por tal inscrição
Estaríamos todos honrados.
...
No Muro Estava Escrito Com Giz:
Eles querem a guerra. Quem escreveu Já caiu.
...
No Segundo Ano De Minha Fuga
No segundo ano de minha fuga
Li em um jornal, em língua estrangeira
Que eu havia perdido minha cidadania. Não fiquei triste nem alegre Ao ver meu nome entre muitos outros
Bons e maus. A sina dos que fugiam não me pareceu pior
Do que a sina dos que ficavam.
...
O Analfabeto Político
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." Nada é impossível de Mudar "Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar." Privatizado "Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."
...
O Maneta No Bosque
Banhado de suor ele se curva
Para pegar o graveto. Os mosquitos
Espanta com um movimento de cabeça. Com os joelhos
Amarra a lenha com dificuldade. Gemendo
Se apruma, ergue a mão
Para ver se chove. A mão erguida
Do temido
Guarda SS.
Antologia Poética de Bertolt Brecht
...
O Nascido Depois
Eu confesso: eu
Não tenho esperança. Os cegos falam de uma saída. Eu Vejo. Após os erros terem sido usados
Como última companhia, à nossa frente
Senta-se o Nada.
...
O Vosso Tanque General,
É Um Carro Forte
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito - Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso: Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito - Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil: Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito - Sabe pensar
...
Os Esperançosos
Pelo que esperam? Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo? Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los! Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes! É por isso que esperam!
...
Os que lutam
"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
...
Os maus e os bons
"Os maus temem tuas garras
Os bons se alegram de tua graça. Algo assim
Gostaria de ouvir
Do meu verso."
...
Para Ler De Manhã E À Noite
Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim. Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
...
Perguntas De Um Operário Que Lê.
Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a
Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A tão cantada
Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria. Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
...
Poesia do Exílio
Nos tempos sombrios se cantará também? Também se cantará sobre os tempos sombrios.
...
Precisamos De Você.
Aprende - lê nos olhos, lê nos olhos - aprende a ler jornais, aprende: a verdade pensa com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo não te convenças sozinho mas vejas com teus olhos. Se não descobriu por si na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto por ponto - afinal você faz parte de tudo, também vai no barco, "aí pagar o pato, vai pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta que é isso? Como foi parar aí? Por que? Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada das discussões, do silêncio. Esteja sempre aprendendo por nós e por você.
Você não será ouvinte diante da discussão, não será cogumelo de sombras e bastidores, não será cenário para nossa ação
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Privatizado
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."
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Quem Não Sabe De Ajuda
Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se os pátios estão desabrigados? Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome? Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão. Quem não sabe de ajuda
Que cale.
...
Quem Se Defende
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão. E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
...
Refletindo Sobre O Inferno
Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres. Eu
Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles
Acho, refletindo sobre o inferno, que ele deve
Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles. Também no inferno Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes
Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem Sem demora, se não são molhadas com água muito cara. E mercados de frutas
Com verdadeiros montes de frutos, no entanto
Sem cheiro nem sabor. E intermináveis filas de carros
Mais leves que suas próprias sombras, mais rápidos
Que pensamentos tolos, automóveis reluzentes, nos quais
Gente rosada, vindo de lugar nenhum, vai a nenhum lugar. E casas construídas para pessoas felizes, portanto vazias
Mesmo quando habitadas. Também as casas do inferno não são todas feias
Mas a preocupação de serem lançados na rua
Consome os moradores das mansões não menos que
Os moradores do barracos
...
Se Fôssemos Infinitos
Fôssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.
...
Sobre A Violência
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contém
Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
...
Soube
Soube que
Nas praças dizem de mim que durmo mal
Meus inimigos, dizem, já estão assentando casa
Minhas mulheres põem seus vestidos bons
Em minha ante-sala esperam pessoas
Conhecidas como amigas dos infelizes. Logo
Ouvirão que não como mais
Mas uso novos ternos
Mas o pior é: eu mesmo
Observo que me tornei
Mais duro com as pessoas.
...
Também o Céu
Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós. Isto pode ser amanhã.
...
Tempos Sombrios
Realmente, vivemos tempos sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar. Que tempos são estes, em que é quase um delito falar de coisas inocentes, pois implica em silenciar sobre tantos horrores.
...
Se os Tubarões Fossem Homens
Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.
***
Um Homem Pessimista
Um homem pessimista
É tolerante. Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua Quando um homem não espanca uma mulher
E o sacrifício de uma mulher que prepara café para seu amado
Com pernas brancas sob a camisa - Isto o comove. Os remorsos de um homem que
Vendeu o amigo
Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo
E como é sábio
Falar alto e convencido
No meio da noite.
...
Esse Desemprego
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!


Antologia Poética de Bertolt Brecht

http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia.htm_
Biografias

Diversas

I


Brecht é um dos autores alemães mais importantes do séc, XX, especialmente nas suas facetas de dramaturgo e de poeta. De formação marxista, Bertolt Brecht (seu nome artístico) dava grande importância à dimensão pedagógica das suas obras de teatro: contrário à passividade do espectador, sua intenção era formar e estimular o pensamento crítico do público.

Para isso, servia-se de efeitos de distanciamento, como máscaras, entreatos musicais ou painéis nos quais se comentava a ação. Brecht expôs em escritos de caráter teórico e encenações modelares essa nova forma de entender o teatro.

O reconhecimento de sua genialidade chegou muito depressa: em 1922, foi concedido ao jovem Brecht o prêmio Kleist por Tambores da Noite. No entanto, no princípio dedicou-se à assessoria artística, trabalhando, por exemplo, para o Teatro Alemão de Berlim, de Max Reinhard, entre 1924 e 1926.

Brecht consolidou-se como escritor independente logo após os musicais Ópera dos Três Vinténs (1928) – que bem mais tarde inspiraria a Ópera do Malandro, do brasileiro Chico Buarque de Holanda – e Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny (1930), escritos em colaboração com o compositor Kurt Weil.

A crítica social contida nessas obras e seu humor cínico causaram escândalo na República de Weimar * alemã.

A ascensão ao poder dos nazistas marcou o início de uma longa odisséia para Brecht, que, no final, o conduziu à Califórnia, onde permaneceu até o final da guerra e onde escreveu muitas das suas famosas obras teatrais:
Galileu Galilei (1938),
que aborda a responsabilidade da ciência, dando três pontos de vista distintos nas suas três versões;

a peça antibelicista Mãe Coragem (1939);

A Boa Pessoa de Setzuan (1941).

Em colaboração com Lion Feuchtwanger, em As Visões de Simone Machard, transportou para a época da Segunda Guerra Mundial o mito de Joana d´Arc, personagem que já tinha abordado em 1930 em Santa Joana dos Matadouros, que só estreou em 1959.

A obra contra Hitler, A Ascensão Irresistível de Arturo Ui, escrita no exílio na Finlândia, em 1941, só estreou depois da morte de Brecht. Após o regresso à Alemanha Oriental, fundou - e, a partir de 1949, dirigiu com sua mulher - o Berliner Ensemble, onde se encenavam principalmente suas obras.

Tal como as peças de teatro, a obra lírica de Brecht, publicada em quatro coleções, contém uma importante carga de crítica política e de ironia, embora também tenha composto poemas de amor muito pessoais.

São especialmente conhecidas as Histórias do Sr. Keuner, coleção de breves episódios, que escreveu desde 1930 até a sua morte e foi publicada em 1958.

http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_134.html

* República de Weimar, denominação do regime existente na Alemanha de 1919 a 1933, ano em que o dirigente do Partido Nacional-socialista (nazista) Adolf Hitler revogou a Constituição e assumiu o poder.

A República foi proclamada em 9 de novembro de 1918, depois de uma rebelião contra o governo que se negara a iniciar conversações que poriam fim a I Guerra Mundial.
O imperador Guilherme II fugiu do país e Friedrich Ebert foi eleito presidente da República.
A Alemanha sofria de graves problemas econômicos, sociais e políticos depois da guerra, além de enfrentar as duras condições impostas pelo Tratado de Versalhes. Gustav Stresemann assumiu o governo, conseguindo estabilizar a situação do país. O pagamento de indenizações foi facilitado pelo Plano Dawes e Stresemann assinou os Tratados de Locarno.
Em 1925 Paul von Hindenburg foi eleito presidente da República.


A depressão econômica mundial, iniciada em 1929, conduziu a Alemanha a uma nova crise. A situação foi bem aproveitada pelo Partido Comunista Alemão e pelo Partido Nacional-socialista Alemão (nazista) de Adolf Hitler.
Os nazistas obtiveram a maioria nas eleições de julho de 1932 e Hitler foi nomeado chanceler, por Hindenburg, em 30 de janeiro de 1933. Em seguida, Hitler extinguiu o cargo de presidente e se autoproclamou Führer (‘condutor’) do Terceiro Reich.
Enciclopédia Encarta Microsoft
II

Brecht e o

Teatro Épico

Por Vitor Junior

O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a forma épica de teatro, tendo como parâmetro o dramaturgo Bertold Bretcht e sua peça didática A Exceção e a Regra , de 1930, estreada em 1938, em hebraico, e em 1956, em alemão.

Essa peça é um exemplo clássico de todo o estilo brechtiano de fazer teatro, e um teatro pedagógico. Antes de se iniciar a trama, há um riquíssimo prólogo epistemológico, que nos orienta e convida a perder a ingenuidade e desconfiar de tudo. É essencial esse prólogo para que a estória seja concebida com uma expectativa crítica.

Assim, já de início, somos alertados: “achem estranho aquilo que não é estranho, achem difícil de explicar o que é comum, e difícil de entender o que é a regra”, e ainda: “Nunca diga: isso é natural “.

E a trama tem início com uma expedição que parte em busca de consumar um lucrativo comércio em uma cidade chamada Urga. Vários comerciantes partem rumo a essa jornada, cada qual em sua caravana. Uma dessas em especial são os protagonistas da estória, composta de um comerciante, um guia e um carregador.

O enfoque em transparecer a luta de classes é bem claro durante todo o desenrolar da trama, desde o início da empresa até o julgamento do comerciante, quando se demonstra que “o abuso é sempre a regra ”. Esse era um dos julgamentos desta peça teatral.

Quanto ao teatro em geral, o dramaturgo alemão exigia dos atores uma interpretação singular, tomando como incentivo o exemplo da reação de pessoas envolvidas em um acidente de trânsito.

Pedia que se notasse como essas pessoas, em situações reais, contavam estórias, suas versões da realidade, que notassem como elas se expressavam, e nem eram atores teatrais. Logo, se aquelas pessoas podiam convencer em suas interpretações, um ator deveria fazer melhor, reviver o acontecimento, contagiar o público.

Contudo, o espectador deve se manter distanciado desse envolvimento. O ator era um foco essencial para Brecht, um instrumento para construção de sua teoria. Brecht reformula a produção teatral de uma forma única, desde os temas até a forma como é conduzido o desenrolar da peça.

Em A Exceção e a Regra podemos notar como a estória se quebra intencionalmente, a peça retrocede e avança, para que o espectador não entre mesmo muito no embalo e não se perca na fantasia, em um estado de dormência. O espectador deveria estar consciente para refletir. Brecht faz questão de distanciá-lo, para que ele esteja de volta ao mundo real, onde o teatro é uma imitação desta realidade. Não deveria haver vínculo entre espectador e ator.

A intervenção do narrador é também uma característica da forma épica de teatro. Desde o primeiro momento, na referida obra, é-nos avisado que o tema será uma viagem realizada por um explorador e dois explorados, que há algo de anormal ao que se mostrará normal, adverte-nos a olharmos desconfiados para tudo, nessa época de desordem ordenada e humanidade desumanizada.

A interpretação do ator referente a um determinado personagem, por sua vez, deve ser uma relação de interiorização de situações, não de identificação com o personagem. O distanciamento também se dá entre ator e personagem.

Para tanto, Brecht adotou o método da Terceira Pessoa e o do Tempo Passado, para auxiliarem no processo de distanciamento. O primeiro método permite um alheamento e objetivação, o ator reflete sobre o que o personagem faria se estivesse em tal situação, etc.

O outro método citado dá uma idéia de retrospectiva dos acontecimentos. Assim como um historiador reflete sobre fatos de um passado distante, assim o ator coloca o personagem em relevo e o distancia, como algo que já aconteceu, que está no passado.

Por último, há o método das Conversações e Comentários que consiste em falar sobre a direção cênica, colocar duas intenções (a do ator e a do texto) em uma situação antagônica. Engana-se quem pensa que toda essa forma teatral de distanciamento não provoque emoções no público. Outras emoções são despertadas que não as do teatro convencional.

O despertar crítico é também uma manifestação artística. Quanto à etapa cênica, o ator deve transparecer claramente que ele não é o personagem que representa, que aquilo tudo é um teatro, que ele não está enganando a ninguém nem a si mesmo na transformação do personagem. Seu trabalho técnico é transmitir ao espectador o personagem de maneira mais autêntica possível.

O teatro é imitação. No caso brechtiano, também é uma crítica social. Enquanto na forma dramática de teatro, o ator deve atuar, incluir o espectador na estória, provocar nele sentimentos de modo sugestivo, no teatro épico, o ator narra, faz do público um observador, desperta nele uma atitude, a rever o mundo.

Quanto à trama, observa-se no teatro dramático a necessidade de se criar um conflito para que a estória se desenvolva, o progresso desta é linear, uma cena condiciona a seguinte, a estória evolui, e precisa ter um desfecho moral, baseado nos bons costumes, vencendo o bem e derrotando o mal.

Já no teatro épico, os acontecimentos não são lineares, cada cena se desenvolve por si mesma, e as sensações provocadas ficam no nível da consciência. E quanto à visão de humanidade, no drama, o homem é algo conhecido de antemão, imutável, fixo, seu pensamento determina o ser, o sentimento o envolve.

Para o épico, o homem é um objeto de investigação, está em estado de processo, pode modificar e ser modificado, e o ser social é que determina o pensar, a razão o envolve. Não há o fatalismo dramático e positivista, mas uma indeterminação do ser, praticamente um caos weberiano.

Com isso, A Exceção e a Regra é uma demonstração da forma épica de fazer teatro, com o simbolismo dos personagens demonstrando o capitalismo e os explorados pelo sistema e como isso influencia no comportamento e julgamento humanos.

http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdeteatro
III

Bertolt Brecht –

Uma Breve Biografia (1898-1956)

Por Edmundo Moniz

Brecht é uma época. Uma época tumultuosa de rebeldia e de protesto. Refletem-se, em suas obras, os problemas fundamentais do mundo atual: a luta pela emancipação social da humanidade. Brecht tem plena consciência do que pretende fazer. Usa o materialismo dialético da maneira mais sábia para a revolução estética que se dispôs a promover na poesia e no teatro.

O teatro épico e didático caracteriza-se, em Brecht, pelo cunho narrativo e descritivo cujo tema é apresentar os acontecimentos sociais em seu processo dialético: Diverte e faz pensar. Não se limita a explicar o mundo, pois se dispõe a modificá-lo. É um teatro que atua, ao mesmo tempo, como ciência e como arte.

A alienação do homem, para Brecht, não se manifesta como produto da intuição artística. Brecht ocupa-se dela de maneira consciente e proposital. Mas não basta compreendê-la e focalizá-la. O essencial não é a alienação em si, mas o esforço histórico para a desalienação do homem.

O papel do autor dramático não se reduz a reproduzir, em sua obra, a sociedade de seu tempo. O principal objetivo, quer pelo conteúdo, quer pela forma, é exercer uma função transformadora, que atue revolucionariamente sobre o ambiente social.

Brecht, que passou pelo expressionismo, não ancorou o seu barco em nenhum dos portos das escolas literárias. Apesar de ligado ao Partido Comunista, não se subordinou ao realismo socialista. Ao contrário, opôs-se a ele com ardente tenacidade. Daí a repulsa das autoridades soviéticas pelas suas peças teatrais que foram proibidas de serem representadas na Rússia de Stalin.

Muito embora Brecht não se tivesse pronunciado abertamente contra os processos de Moscou, em virtude da pressão que sofreu, no ocidente, sob o pretexto de que o combate a Stalin significava o fortalecimento de Hitler e do nazismo, foi com profundo horror que ele acompanhou os trágicos acontecimentos que levaram os principais dirigentes da revolução russa, companheiros de Lênin, a confessar, antes serem fuzilados, uma série de crimes hediondos que jamais cometeram.

Foram estas falsas confissões, segundo Isaac Deutscher, que levaram Brecht a escrever Galileu Galilei, talvez a mais importante de suas obras dramáticas. Há muito de Kamenev, de Zinoviev e de Bukharin no genial astrônomo que, vítima da Inquisição, atirado no cárcere, diante dos instrumentos de tortura, se viu na contingência de renegar as próprias idéias.

A incompatibilidade de Brecht com o regime stalinista era tão aguda que, ao exilar-se da Alemanha de Hitler, preferiu asilar-se nos Estados Unidos, onde se sentiu mais seguro.

É muito comum comparar-se Brecht a Shakespeare. O motivo da associação entre um e outro é o paralelismo histórico dos períodos em que eles viveram. Shakespeare surgiu no Renascimento, na decadência do regime feudal, e alvorecer da burguesia, Brecht apareceu na fase crepuscular da burguesia, em plena ascensão do movimento operário. Ambos viveram em períodos congêneres de transição social.

Em certos aspectos, Brecht é uma chave para Shakespeare. Shakespeare, em quase todas as suas obras, passava da poesia para a prosa e da prosa para a poesia. Acreditavam os estudiosos de sua obra que a razão desta simultaneidade estava na premência do tempo.

Shakespeare não chegava a pôr em versos, do começo ao fim, a peça que escrevia porque tinha de aprontá-la o mais rápido possível, dentro de prazos marcados, para levá-la ao palco. A pressa o impedia de dar o arremate final. Deixava sempre para completá-la mais tarde, quando dispusesse de tempo. A forma definitiva ficava adiada para um futuro incerto. Nunca, porém, chegou a hora de executar o que pretendera.

Este modo de ver exige uma revisão. Brecht empregava também, simultaneamente, em suas peças teatrais, a prosa e a poesia sem que estivesse disposto a dar-lhes, no futuro, uma forma diferente, pondo-as todas em versos.

O erro de julgamento quanto ao uso do verso e da prosa por Shakespeare, em sua obra dramática, está na velha tendência de compará-lo a Corneille, Racine e Molière, que não misturavam a prosa com a poesia.

Shakespeare, mais espontâneo do que os clássicos franceses, mais plástico, mais livre, não se apagava, como aqueles, à pureza da forma. Passava do verso para a prosa quando julgava que certas idéias ficariam melhor expressas em prosa do que em versos.

De grande importância, para ele, era o efeito no palco, o lado puramente teatral que deveriam estar acima da métrica e da estilística. Não havia necessidade de manter-se só a prosa ou só a poesia. Preferia jogar com uma e com outra como julgasse mais adequado.

Esta independência tornava mais fácil o jogo das palavras e dos diálogos. Não prejudicava a estrutura da obra dramática. Só contribuía para valorizá-la.

Brecht chegou às mesmas conclusões de Shakespeare quatro séculos depois. E da maneira tão indicada, tão aceitável e tão proveitosa.

Arte e Ciência

As realizações práticas, de Brecht, nó teatro, foram acompanhadas de suas conclusões no terreno da estética: Não se tratava de tentativas empíricas, mas da aplicação de uma teoria que considerava científica. Daí seus estudos sobre uma arte dramática não aristotélica, sem submissão ou obediência às regras secularmente estabelecidas.

Brecht colocou-se à margem de todo o esquematismo das escolas literárias: Aceitando a concepção de Hegel de que há nos fenômenos artísticos uma realidade superior a uma existência mais verdadeira em comparação com a realidade habitual, chegou a Marx com a extraordinária independência de seu gênio poético e teatral.

Como Shakespeare, ele soube usar, na época atual, o heróico e o lírico, o dramático e o cômico, o grave e o ridículo, dando à sua obra um sentido universal.

Brecht confessa que, embora a arte e a ciência atuem de modos diferentes, não lhe era possível subsistir como artista sem servir-se da ciência. "Do que necessitamos de fato - escreve Brecht - é de uma arte que domine a natureza, necessitamos de uma realidade moldada pela arte e de uma arte natural".

Acrescenta: "Não nos podemos esquecer de que somos filhos de uma era científica". Insiste: "A ciência e a arte têm, de comum, o fato de que ambas existem para simplificar a vida do homem: uma, ocupada com sua subsistência material e a outra, em proporcionar-lhe uma agradável diversão".

E conclui: "Tal como a transformação da natureza, a transformação da sociedade é um ato de libertação. Cabe ao teatro de uma época científica transmitir o júbilo desta libertação".

Quando Brecht liga a arte à ciência procura justificar o seu papel atuante nas letras sociais e políticas do mundo atual. O teatro de Brecht é eminentemente político. Não de forma indireta, mas aberta e declaradamente. Pode-se dizer: um teatro a serviço da causa operária, da revolução social. Daí o seu caráter épico e didático.

Nazismo e exílio

Em 1933, quando Adolfo Hitler, à frente do Terceiro Reich, estabeleceu o nazismo na Alemanha, inaugurando uma nova ordem que, segundo ele, deveria durar dez mil anos, Bertolt Brecht, com trinta e cinco anos de idade, abandonou o país, asilando-se em várias cidades da Europa.

Suas obras, em Berlim, foram queimadas em praça pública com tantas outras dos mais famosos escritores da época. No dia em que a Alemanha invadiu a Dinamarca, Brecht, que se encontrava neste país, fugiu para a Finlândia. Dali partiu para Vladivostok, onde embarcou para os Estados Unidos.

No exílio, que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, publicou vários poemas que contribuem para sua glória literária tanto como suas peças teatrais. Brecht não se cansou de fustigar violentamente a figura de Hitler, mostrando os crimes do nazismo.

De volta à Alemanha, depois do desmoronamento deste regime, continuou a lutar, como marxista, pela causa operária. Ao morrer, em 1956, o mundo inteiro reconhecia a grandeza de sua obra.

O objetivo da

poesia moderna

Brecht tem, sobre a poesia, o mesmo pensamento que tem sobre a arte dramática. Maneja-a da maneira mais sábia em defesa da liberdade do homem. Há, em seus poemas, o mesmo sentido épico e didático de suas peças teatrais.

Recusa-se a aceitar uma poesia alheia aos acontecimentos sociais. Exige que ela seja atuante sem perder, entretanto, o seu sentido artístico. A poesia moderna deve estar ao lado da revolução.

O êxito excepcional do teatro e da poesia de Brecht confirma a justeza de seus pontos-de-vista. Sua arte é duplamente revolucionária: no fundo e na forma. Não só se opõe à estética de Aristóteles como não se submete ao convencionalismo e aos preconceitos sociais. Escreve independentemente como acha que se deve escrever.

http://www.culturabrasil.pro.br/brecht.htm