Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."

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Sobre a atitude crítica

A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado. Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera. E são também
Exemplos de arte.


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Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem! Saiba também que não crer algo significa algo crer!
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Nada É Impossível De Mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.


O poeta e autor teatral alemão Bertolt Brecht escreveu obras criticando o capitalismo, o nazismo e Adolf Hitler.

Desenvolveu um teatro épico revolucionário, no qual os atores interpretam seus papéis sem acrescentar emoção à atuação, para chegar facilmente ao público a mensagem do autor.


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Nascido Eugen Berthold Friederich Brecht, em 10 de fevereiro de 1898, rebento de uma família da burguesia suábia relativamente próspera, na cidade de Augusburg, no Reino da Bavária, então na órbita do II Reich, os amargores coletivos provocados pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial jogaram-no, como a tantos outros jovens zangados, nos braços do inconformismo e do radicalismo ideológico.

Brecht, quando estudante de medicina, servindo num lazareto militar, chegou a integrar os conselhos revolucionários que se formaram logo que o império do Kaiser Guilherme II entrou em colapso. A partir de 9 de novembro de 1918, o Velho Regime fora abaixo com notável rapidez, sendo substituído, ainda que transitoriamente, pela Räterepublik, uma República de Conselhos (no molde dos sovietes russos de 1905 e de 1917 ou ainda na Comuna de Paris, de 1871).

Em pouco tempo a Alemanha mergulhou num caos com levantes ocorrendo em todos os lados, nos quais as milícias da revolução, formadas por soldados, marinheiros e operários, eram reprimidas pelos corpos francos formados por ex-combatentes e seus oficiais.

Foi por essa ocasião que Brecht, então com 22 anos, empenhou-se em visitar Berlim para tentar uma carreira no meio teatral. Foi um desastre. Era difícil encontrar pão e trabalho numa cidade convulsionada pelos choques políticos, em meio a uma multidão de desempregados e soldados desmobilizados, furiosos e famintos. Um ar pesado de sangue e pólvora dominava as ruas da metrópole.

Todavia o desabamento do Reich, se mergulhou a nação alemã no caos, instigou os artistas da época a buscar novas formas de expressão. Deu-se por então o apogeu do expressionismo com suas imagens propositadamente entortadas, seu mundo sombrio e cinzento, suas figuras torturadas em meio às paisagens desoladoras.

Era a mais autêntica estética da desordem. Nos quadros de Otto Dix e George Grosz a pessoa humana dava lugar à caricatura, paralelamente ao momento em que magos malignos ("Das Kabinett des Doktor Caligari", de Robert Wiene, 1920), e vampiros ("Nosferatu", de Murnau, 1922) tomavam conta das telas.

Ao tempo em que tudo parecia afundar, em Berlim, em plena sintonia com o nome de um dos bares famosos da época, o Zur letzten Instantz ("A derradeira instância"), as casas de diversão enchiam-se com boêmios dispostos a gastar seus minutos como se fossem os últimos que gozariam na vida.

O jazz, o charleston e o tango, o trompete, o piano e o bandônion, tocados até o amanhecer, rivalizavam-se na conquista do gosto dos bailarinos e dos infatigáveis pares dançantes dos incontáveis salões que se estendiam da Friedrichstrasse até a feérica Kurfürsterdamm.

Os teatros populares, o Varieté ou o vaudeville, instalados em enormes espaços para diversões, como no Wintergarten ou no Scala, atraíam multidões que, por alguns centavos, mergulhavam numa névoa de fumaça de tabaco e torpor alcoólico, embalados por bandas de todos os tipos.

A inovação e o escândalo, a revolução e a reação, disputavam cada milímetro das atividades culturais do país, a vida noturna da grande metrópole parecia desafiar qualquer descrição. A ex-sóbria capital do Reich se tornou o reino do exagero, do pansexualismo e da audácia estética.

A impressão que se tinha é que na República de Weimar "a moralidade estava suspensa", era um vale-tudo. Parecia que os alemães haviam perdido não só a guerra mas também o bom senso das coisas.

De certo modo pode entender-se a ópera dele Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, "Ascenção e queda do estado Mahagony", estreada em Leipzig, em 1930, um tanto antes da ascensão do nazismo, como uma caricatura da Berlim do seu tempo, a sociedade em que os prazeres pareciam não ter mais fim: o vaudeville permanente em que ela se transformara.

Por um novo teatro

De volta a metrópole em 1924, depois da experiência faminta e fracassada de 1920, Brecht tratou de procurar um caminho para si no escorregadio e volátil meio artístico da capital assumindo uma função de leitor de peças no Deutsches Teather, dirigido por Max Reinhardt, o mais famoso e celebrado diretor e produtor cultural daquela época.

Para o jovem recém chegado o teatro tinha que absorver urgentemente as novas formas de expressão. A encenação burguesa, a apresentação acadêmica, tudo aquilo ruíra com o desastre guilhermino de 1918 devendo dar lugar a uma outra forma de encenação, a moderna, a que incorporasse o gosto popular, os números de cabaré e do music-hall, a cantoria das tavernas e dos bares suspeitos, a fala da feira-livre e do mundo marginalizado.

A novidade absorveria, tanto no dramático como no cômico, a tecnologia, as alterações provocadas pela técnica, junto com a barulheira das ruas e dos logradouros públicos, tendo como fundo as vozes da multidão.Tudo isso seria o pano de fundo para colocar em cena uma nova abordagem provocada pelo levante das massas não só na Rússia de Lênin, mas por boa parte da Europa (especialmente entre os anos de 1917 a 1923).

Posição que nele foi ainda mais reforçada depois dos seus encontros de estudo, a partir de 1928, com Karl Korsch, um marxista extremado, teórico que Brecht considerava o "seu mestre" (ambos voltariam a trabalhar junto no exílio norte-americano).

No que tocava as inovações, Erwin Piscator, um talentoso diretor teatral daqueles anos, já colocara em andamento dispositivos mecânicos e trechos de filmes alternados com leituras no chamado teatro proletário quando assumiu a função de mestre-em-cena do Volksbühne (1924/27).

Todavia Brecht imaginou acrescentar tons mais picarescos como aqueles desenvolvidos por Kurt Valentin, ator solo, o Chaplin alemão, personagem surrealista capaz de provocar risos infindáveis na platéia.

O negócio era acabar para sempre com o que até então se considerava teatro – com as "leis imutáveis" de Aristóteles - fazendo do palco uma tribuna livre, uma ágora celebrando o homem como "processo", enfatizando o princípio tão caro aos socialistas de que é a "existência social quem determina o pensamento".

O Freie Volksbühne , o teatro popular alemão, fora fundado nas vésperas de 1914 com peças voltadas para os dramas reais, com forte conotação social para atrair os operários de Berlim, seguindo a política Die Kunst dem Volke, a arte para o povo, defendida pela social-democracia.

Destruído pela ascensão do nazismo, foi reconstruído em 1950 segundo o projeto do arquiteto Hans Richter. Seu continuador foi o teatro total, projetado por Gropius para Piscator com o objetivo de assegurar a comunhão social, suprimindo com a distinção entre palco e platéia, atores e espectadores. Obra todavia que nunca foi concretizada.

O Teatro Épico

O carrossel seria a maneira mais adequada para se definir o teatro convencional, o tipo de encenação que envolvia completamente o espectador.

A isso Brecht propunha a imagem de um teatro-planetário no qual o público vê à distância os corpos celestes, permitindo assim o Verfremdungseffekt, o efeito do distanciamento necessário ao bom exercício do espírito crítico.

Nada, portanto, de se estimular o sentimentalismo e a emoção mais forte pois turvam a consciência. O teatro épico, cismático, defendido por ele, tinha como intenção desconstruir o encantamento e o enlevo, o entusiasmo e o êxtase, que a apresentação tradicional procurava alcançar, visto que o mundo a ser conquistado estava "lá fora", nas ruas, na vida real que estava à espera de todos quando, encerrada a sessão, as portas do teatro se fechavam.

Tudo tinha que revelar "clareza, saber, consciência"..."dirigir-se a sua razão"..
A encenação do teatro épico era um instrumento para atingir uma massa de espectadores cada vez maior, sendo que as técnicas utilizadas estão inteiramente a serviço disso, da difusão.

O Volksbühne, o teatro popular de Berlim

Ao enfocar "o lado de fora" e não "o aqui dentro", a tomada das praças e não o fascínio pelo tablado, ele se insurgiu contra a mais que secular tradição ocidental da encenação vinda desde Aristóteles (que propunha a unidade de ação, o clímax e a catarse), que erigira o teatro como um espaço comunitário sagrado com funções específicas de provocar a catarse, mas não rompendo com as lições herdadas de Lessing

.. (a criação deve refletir todo os graus da vida comum e da experiência, sendo que tudo o que fosse pomposo, ornamental, e outras formas emprestadas, deve ser banido, colocando-se a sinceridade como o primeiro requisito, procurando sempre espelhar homens e mulheres verdadeiros, como consta no seu Hamburgischen Dramaturgie, de 1759)..

Fruto dos tempos revolucionários, o teatro épico brechtiano era um alçar de bandeiras, um elixir revigorante para a ação política e não para a contemplação pacífica.

Segundo Brecht não havia nenhum refúgio idílico para os homens do seu tempo: uma sala escura qualquer aconchegante frente a um estrado iluminado onde os indivíduos pudessem, por um momento, atraídos pelos atores e fascinados pela coreografia, deixassem se arrebatar, se esquecendo por um momento das mazelas da existência e dos dramas que ocorriam nas redondezas do teatro.

A luta de classes sempre devia estar presente na consciência deles todos, fustigando-os a qualquer momento.